Talvez eu esteja a tornar-me uma bolchevique. Mas toda a minha vida quis ensinar crianças, ter escolas gratuitas e um teatro gratuito.
O espectáculo de Rita Lello, Isadora, Fala! é uma criação de vozes sobrepostas que reivindica o corpo de mulher como pauta e como “lugar de fala”, como se enuncia actualmente este argumento de autoridade. Fundado no poema auto-épico de Graça Pires Jogo Sensual no Chão do Peito (Labirinto, 2020), texto permanentemente “boicotado” pela intervenção de falas directas de Isadora Duncan (1877-1927) retiradas da sua obra escrita, este espectáculo, muito íntimo, propõe-nos um mergulho num teatro da palavra que é mediado pelo gesto e pelo movimento (coreógrafa Amélia Bentes) inscritos, num programa de sugestões e de impressões, no espaço cénico polivalente.
Inspirado em passos da biografia da artista norte-americana que simbolizou a utopia da libertação do corpo da Humanidade pela dança natural, sob o signo da Grécia Antiga e da Música, e que lutou pela libertação do corpo das mulheres das barbas de baleia e das normas antinaturais da sociedade, o trabalho de Rita Lello propõe, por sua vez, sob o manto aparentemente diáfano das cortinas e da luz, um manifesto subtil sobre a condição de artista, da mulher-artista, aqui, na nossa contemporaneidade amordaçada pelo capitalismo sangrento.