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A humanidade no centro da dança

Esta semana começou o 13 GUIdance de Guimarães

'BANTU' de Victor Hugo Pontes
'BANTU' de Victor Hugo Pontes

A semana pasada comezou a 13ª edición do GUIdance, o festival internacional de danza contemporánea de Guimarães (Portugal), cun ollo posto nas corporalidades diversas e en como estas poden xerar tamén outras danzas igualmente diversas, fóra dos formatos e dos xustillos da danza académica ou de estilos predefinidos que someten e moldean os corpos. Danzas da humanidade ou a Humanidade que danza e que, polo seu amplo espectro, parecen non coller nunha Historia da danza. Con todo, trátase de danzas que nos traen historias, sen necesidade de representárnolas. Veñen inscritas en como escriben os corpos no espazo compartido con nós e nun tempo que se abre e se derrama cara ao pasado e ao futuro.

É moi curioso pensar en como todos os corpos, sexan como foren, teñen a súa propia historia, que non só é singular, porque tamén se cruza coa historia colectiva dunha comunidade, unha familia, unha rexión, un país, unha época, etc. Cada corpo é unha historia composta, á súa vez, de moitas historias e cada corpo ten unhas capacidades e unhas posibilidades de movemento, unha corporalidade, que poden dar lugar a unha danza e, en consecuencia, a un discurso artístico elocuente a moitos niveis.

Este 2024 atravesado por guerras, crise climática e económica (a económica cébase coa maioría da poboación, mentres unha minoría enriquécese cada vez máis) o GUIdance, na súa 13ª edición, continúa a demostrarnos que non é unha simple cita de exhibición de espectáculos máis ou menos nas últimas tendencias, senón que vén sustentada por unha filosofía e unha concepción que busca na danza un espazo para expandir a humanidade, o único que nos podería salvar da distopía cara á que parece, por momentos, encamiñarse o mundo. Rui Torrinha, o director artístico, proponnos, desde o 1 ao 10 de febreiro, un paquete de 10 espectáculos e diversas actividades, que inclúen conversacións cos artistas e un extraordinario acompañamento de análise e reflexión por parte de Cláudia Galhós, escritora e xornalista, unha das persoas que máis saben de danza en Portugal.

Para min, desde o inicio, o GUIdance é un lugar de asombro, de aprendizaxe e de felicidade. Un espazo privilexiado, un auténtico luxo.

A esfera ocular que preside a 13ª edición do GUIdance, como icona e símbolo, é metáfora da mirada coa que nos construímos e construímos o mundo. Cada espectáculo de artes escénicas é, ademais, unha máquina óptica que nos ofrece unha perspectiva do mundo. Así, este GUIdance de 2024 coloca a súa lente, pon a súa mirada, sobre o factor humano e as súas diversas conxugacións e inflexións, segundo os corpos que danzan e que nos afectan co seu movemento. Corpos que ao danzar interpélannos, emociónannos e fannos pensar. Danza que sacode e esperta a nosa humanidade e amplía a nosa sensibilidade.

Para iso, o programa contempla un diálogo entre contextos culturais, políticos e territoriais tamén diversos: Mozambique, Angola, Portugal, Taiwan. Corporalidades diversas nas marxes do canónico e do normativo, que superan os compartimentos estancos do xénero, da adscrición sexual, corporalidades trans, e tamén no que incumbe á diversidade funcional.

Ofrezo, a continuación, as miñas primeiras impresións dos espectáculos que puiden ver na primeira semana, do 1 ao 3 de febreiro, e que desenvolven algúns dos aspectos sinalados:


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BANTU de Victor Hugo Pontes abriu a 13 edição do GUIdance no Grande Auditório Francisca Abreu do Centro Cultural Vilaflor (CCVF) de Guimarães (01/02/24) com a lotação quase completa. Quantidade de pessoas a demonstrar, com a sua assistência, a qualidade humana que se exalta nesta peça do coreógrafo vimaranense. Uma humanidade que religa pulsões ancestrais e mágicas, assentes nos rituais comunitários, nas máscaras e no movimento dos corpos em relação com eles e com o além, paixões arcaicas, quer de Moçambique quer de Portugal, desde uma sensibilidade atual. BANTU celebra a coralidade (a comunidade e o encontro) do humano a partir da dança que é lúdica e que quere também divertir(se). A dança como o melhor passaporte para sair do isolamento do ser e abrir-nos à alegria do estar com, e do estar entre, embora as evocações das guerras – na camuflagem cenográfica que envolve o palco e no tecido com o que jogam a dada altura – possam matizar essa felicidade. Porém, essa espécie de camuflagem também poderia ser, à inversa, evocação do mato, da floresta e, então, a dança uma flor que se abre nela. Em qualquer caso, o próprio movimento e as composições coreográficas, numa conexão radical (com as raízes) com a terra e com outrem, são uma forma maravilhosa de beleza, tão humana quanto supra-humana, a melhor camuflagem para proteger-se da barbárie e até para evita-la. Adorei, especialmente, a conjunção entre o tom antropológico e ancestral que, por momentos, parece surgir na dança, e o universo onírico belíssimo junto da emoção estética que provoca.

TIME AND SPACE: THE MARRABENTA SOLOS de Panaibra Gabriel Canda no Teatro Jordão (02/02/24). “Sou músculos. Sou ossos… O corpo é a minha pátria amada”. É muito curiosa a desconstrução irónico-dancística e verbal que Panaibra faz das diferentes camadas ideológicas e culturais da sua identidade, vinculada à história do seu pais, Moçambique. “É preciso acabar com o corpo tribal. É preciso acabar com o corpo ritualista. É preciso acabar com o corpo preto. É preciso acabar com o corpo africano. É preciso criar um corpo assimilado. É preciso criar o corpo de um pequeno português de cor preta” Então ironia e humor afirmam identidade e raízes enquanto as negam e as relativizam. Gostei imenso do contraste entre as duas presenças em palco: o músico misterioso branco (sem identidade individual, escondido o rosto sob os óculos escuros e a sombra do chapéu) a gerar um som muito contemporâneo com a guitarra elétrica, e o bailarino moçambicano negro. Também adorei a maneira em que Panaibra se dava inteiramente, transformando movimento em ação política, em sequências de um desenvolvimento comprido que, ainda assim, no conjunto, resultava numa duração ajustada, necessária para dar-nos entrada nessa perspetiva do mundo. O espetáculo é uma máquina ótica.

BOCA FALA TROPA de Gio Lourenço na Black Box do Centro Internacional de Arte José Guimarães (CIAJG), (03/02/24). Em palco um duo de duas energias desbordantes a interagir com nós – no que a afetos se refere –. Xullaji a lançar músicas e sons eletrónicos, e a jogar com percussões amplificadas, que despoletam evocações prementes de metralhadoras. Gio Lourenço a despoletar movimentos com base no Kuduro, que surge nos anos 90 em Luanda no contexto da guerra civil, a jogar com mudanças de peças de roupa e expressões faciais desfechadas para nós no relato, estourado em rajadas, da sua história. Uma história de Angola e Portugal. As violências, as injustiças, e as feridas, que fazem parte da corporalidade que dança e se exprime, são transcendidas pela alegria de estar aqui com nós, pela alegria de dançar. Sentimos que há mais história fora do palco do que no palco. Sentimos que não só é dança pela dança, que já não seria pouco. Sentimos que, aliás, também se passa algo maior, que vem alimentado por toda essa história particular e comunitária. Sentimos que a história que não se representa no palco, que vem de contextos muito difíceis, fornece uma eletricidade e uma força que vão muito para além de um exercício estético.

UNIVERSE: A DARK CRYSTAL ODISSEY da Cia. Wayne McGregor no Grande Auditório Francisca Abreu do CCVF (03/02/24). Contemplamos um poema visual em que a dança não é fruto das corporalidades singulares das diferentes bailarinas e bailarinos do elenco, mas uma maneira mais canónica (que nos lembra o neoclássico) que molda os corpos para a métrica desta poesia coreográfico-visual. Assim sendo, a surpresa e/ou o assombro não vai vir da perfeição do movimento dos corpos e da sua alta qualidade – lugares já vistos e conhecidos – mas, se calhar, da conjunção com as projeções de imagens. Há uma superposição, também, por vezes, uma fusão entre o corpo de baile e as imagens digitais. Uma mistura entre o documentário e a fantasia, pelas fotos e vídeos, pelos desenhos e figurinos, pela própria coreografia. A humanidade descola para territórios que nos interpelam, da emoção estética, sobre a crise climática. A música e, numas poucas ocasiões, também a voz, estão num volume avassalador. Dir-se-ia que há uma conceição com um ponto megalómano, grandioso ou de grande espetacularidade, que condiz com essa odisseia de um planeta habitado por uma humanidade desumana que o massacra. O azul dos figurinos, símbolo da água e do mar; o vermelho, símbolo do fogo; os astros e as estrelinhas que brilham noutros figurinos, compõem parte dessa estampa. Uma peça em que até a imagem dos incêndios, que aniquilam a paisagem vegetal, ou a terra seca e erma, são beleza.

Em UNIVERSE: A DARK CRYSTAL ODISSEY aparece o motivo da esfera ocular e a esfera terrestre, numa interdependência circular, com a humanidade como ponto chave. Uma humanidade que talvez, mais do que no palco, esteja na plateia: a bola está do nosso lado. Eis o olho como ícone e símbolo desta 13 edição do GUIdance: “A Humanidade Dança em Guimarães”.

Afonso Becerra

Afonso Becerra

Director da erregueté | Revista Galega de Teatro. Pertence ao seu Consello de Redacción desde o 2006. Doutor en Artes Escénicas pola Universitat Autònoma de Barcelona. Titulado Superior en Dirección escénica e dramaturxia polo Institut del Teatre de Barcelona. Titulado en Interpretación polo ITAE de Asturies. Dramaturgo e director de escena. Exerce a docencia en dramaturxia e escrita dramática na ESAD de Galiza desde o ano 2005. É colaborador, entre outras publicacións, de revistas de cultura e artes performativas como 'ARTEZBLAI', 'Primer Acto', 'Danza en escena', 'Tempos Novos', 'Grial'. Entre setembro de 2019 e xuño de 2021 foi colaborador especialista en artes escénicas da CRTVG, no programa 'ZIGZAG' da TVG. Desde setembro de 2022 é colaborador semanal sobre artes escénicas do 'DIARIO CULTURAL' da RADIO GALEGA.
Premio Álvaro Cunqueiro da Xunta de Galicia en 2001. Premio María Casares á Mellor Adaptación teatral en 2016. Premio de Honra do Festival de Teatro Galego, FETEGA, do Carballiño (Ourense) en 2020. Premio Internacional de Xornalismo Carlos Porto 2024, de prensa especializada, do Festival de Almada, organizado pola Câmara Municipal de Almada, do que tamén recibira unha Mención Honrosa en 2020.

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