O ano 2020 trouxe algumas mudanças difíceis para o nosso dia a dia que continuam em 2021. A pandemia obrigou a muitas pessoas (não todas) a ficar em casa. Quando as coisas pareciam melhorar e pudemos voltar a sair, inventou-se o termo “nova normalidade” como estranha tentativa de explicar que as coisas se tinham alterado, mas eram iguais. Que paciência!
Essas mudanças foram mais do que notórias nas artes performativas: ensaios com máscara, distância entre performers e entre estes com as primeiras filas da plateia. Estabeleceu-se uma nova reconfiguração do que se podia ou não fazer em palco, para evitar contactos e transmissões de vírus: não se podem partilhar objetos com o público, não se interage diretamente com as pessoas, não se circula entre os corredores de cadeiras. Uma espécie de censor silencioso e ameaçador parecia estar presente nas salas de ensaio e durante as apresentações.
Sem mencionar que programar e publicitar um espectáculo passou a ser uma “atividade de alto risco”, um jogo de probabilidades e incertezas, uma vez que as possibilidades de o espetáculo ser cancelado ou adiado por causa da pandemia são muito altas (alguém na companhia, no teatro ou próximo pode ficar infetada, e isso leva a toda a equipa a ficar em isolamento). A produção das companhias e dos espaços fazem “tetris” com calendários, propostas de programação, adendas aos contratos e remarcações.
Na sala de teatro, a plateia ficou meio vazia, porque as cadeiras para o público devem estar desencontradas e distantes. As espectadoras e os espectadores devem guardar distância entre si, depois de desinfetar as mãos (e os sapatos em alguns sítios) e permitir que lhe meçam a temperatura. E, claro, a máscara no rosto durante todo o espectáculo.
Estas mudanças transformaram uma atividade cultural numa experiência com um forte caráter higienizante. Sair para ver um espetáculo passou a ser quase uma atividade de militância, para apoiar o sector. Foram desencorajadas as conversas à porta do teatro à espera aos artistas, assim como o beijinho e o abraço de parabéns.
Todavia as alterações não ficaram por aqui. Com o recolher obrigatório, os espectáculos também tiveram de adaptar-se e antecipar os horários de apresentação. Embora houvesse algumas salas que já programavam espetáculos mais cedo durante a semana (a pensar nos que trabalham na cidade, mas moram fora), esta era uma exceção à regra, como os horários da manhã nos fins de semana, tradicionalmente reservados para os espectáculos infantis. Por isso, o câmbio das horas, por causa do recolher obrigatório, acrescentou mais uma mudança na ida ao teatro. Parecia difícil pensar que o público alinharia nestes horários dos espectáculos. E não é que o fez? O público continuou a assistir ao teatro, fosse este às sete da tarde ou às seis da manhã, como aconteceu com o espectáculo Os meus Sentimentos que a Mónica Calle apresentou no Teatro Carlos Alberto no Porto, que começava às 6 da manhã e terminava por volta das 12h, um bocado antes do recolher obrigatório do fim de semana.
Agora, as salas levam meses fechadas e sentimos como nos fazem falta até esses fins de semana em que acordávamos cedo para, num domingo, nos fecharmos numa sala escura, com máscara e com distanciamento, para assistir a uma peça de teatro.