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Hide to Seek

À procura da identidade escondida | ‘HIDE TO SEEK’ de Júlio Cerdeira

'Hide to Seek' de Júlio Cerdeira. Theatro Circo. Foto: Lais Pereira.
'Hide to Seek' de Júlio Cerdeira. Theatro Circo. Foto: Lais Pereira.

Achamos que é só com o raciocínio verbal e com as palavras que podemos atingir todas as questões e inquietações. Porém, finalmente, é o corpo quem acaba por reagir perante a(s) realidade(s). Aliás, são os nossos corpos os primeiros a reagir perante qualquer situação, produzindo respostas e criando realidades. Se há um espaço privilegiado para esta dinâmica, sem dúvida, esse é o da dança.

Uma das questões/inquietações que nos acompanha, se calhar desde que temos consciência do ser, é a da identidade: o relato pessoal e coletivo que vamos criando desde o nascimento. Há quem diga que isso acontece desde o momento em que somos engendrados. Reagindo a isto e ao mistério que contorna a identidade, Júlio Cerdeira pôs em dança HIDE TO SEEK, com Maria R. Soares, Suevia Rojo e Rafael Pinto.

Trata-se de um trabalho em que a dança modula, e partilha connosco, atmosferas de alta densidade. Dir-se-ia que nos sacam dos nossos mundos quotidianos para nos levar de viagem por espaços amnióticos ou cavernosos, como se estivéssemos a penetrar na floresta primigénia de uma consciência de natureza física e cinética, como se ali, naquela caverna de fulgurações corporais, pudéssemos encontrar o âmago da questão.

No palco: luzes, som e coreografia imersivos, num espaço espectral que parece remeter para um ritual de transformação. Três máscaras de reminiscências arcaicas e mágicas, combinadas com três corpos oferecidos, que mudam as suas aparências pela dança com a luz, e também pela fusão de dois ou três corpos, configurando seres fantásticos de feições surpreendentes e enigmáticas.

Isto já aparecia também na sua primeira peça, titulada IMAGEM NUA, num duo formado pelo próprio Júlio Cerdeira e por Dinis Duarte, que pude ver no Gnration de Braga em 1 de abril de 2022. Aquele trabalho inaugural caracterizava-se pelos efeitos óticos, entre os corpos, as luzes e as sombras, para gerar umas criaturas misteriosas e atraentes. Era uma dança muito teatral e arriscada no jogo quase expressionista com a mímica facial e a invenção vocal.


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Aqui, em HIDE TO SEEK, continua a tendência para uma fantasia visual, gerada coreograficamente em cumplicidade com a luz e o trabalho sonoro em palco, que emerge como possível via dilucidativa de inquietações profundas. É muito curiosa a convivência de uma espécie de ancestralidade com as inquietações contemporâneas no que diz respeito à identidade e à aparência.

Merece especial menção a extraordinária ductilidade da tríade dançante. Ao esconderem os rostos, máxima expressão da identidade individual, potenciam a explosão da procura de possibilidades à volta dessa inquietação. Conseguem isto não só pelo uso de máscaras de feição ritualístico-mágica, mas também pelo jogo de ocultação, propiciada pelos movimentos por entre feixes de luzes nevoentas e de sombras espectrais. Assim, sendo escondidas as caras e as suas determinações identitárias, atenuado o género por uns figurinos que o neutralizam, o antropomorfismo dos corpos explora transformações de jeito individual e coletivo. E então é como se entrássemos nas maravilhas dos sonhos em que tudo é possível.

 

(Os meus agradecimentos para Maria José Albarran Alves de Carvalho pela revisão linguística deste artigo.)

HIDE TO SEEK

Direção Artística e Coreografia: Júlio Cerdeira

Interpretação: Maria R Soares, Rafael Pinto, Suevia Rojo

Música (ao vivo): Miguel De Luz, Pedro Abreu

Adereços (máscaras): Ed Freitas, Nuno Fonseca

Acompanhamento de Interpretação: Joana Gomes Martins

Assistência: Hugo Loureiro

Consultoria Artística: Cláudia Marisa

Design de Comunicação e Vídeo: Luís Belo

Produção Executiva: Rui Macário Ribeiro

Apoio à Produção e Comunicação: BANQUETE – Associação de Investigação e Criação em Artes Performativas

Coprodutores: Braga 25 – Capital Portuguesa da Cultura 2025, Teatro Diogo Bernardes/Município de Ponte de Lima, Instável – Centro Coreográfico e Teatro Municipal do Porto

Parcerias: Arte Total, Backstage – Escola de Dança e Artes Performativas, Centro de Arte Oliva, Coffeepaste, Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Município de Braga, Núcleo de Investigação em Estudos Performativos (NIEP), O que Faltava e Zetgallery

Este projeto tem o apoio da República Portuguesa – Cultura /Direção-Geral das Artes.

Theatro Circo de Braga, 22 de março de 2025.

Afonso Becerra

Afonso Becerra

Director da erregueté | Revista Galega de Teatro. Pertence ao seu Consello de Redacción desde o 2006. Doutor en Artes Escénicas pola Universitat Autònoma de Barcelona. Titulado Superior en Dirección escénica e dramaturxia polo Institut del Teatre de Barcelona. Titulado en Interpretación polo ITAE de Asturies. Dramaturgo e director de escena. Exerce a docencia en dramaturxia e escrita dramática na ESAD de Galiza desde o ano 2005. É colaborador, entre outras publicacións, de revistas de cultura e artes performativas como 'ARTEZBLAI', 'Primer Acto', 'Danza en escena', 'Tempos Novos', 'Grial'. Entre setembro de 2019 e xuño de 2021 foi colaborador especialista en artes escénicas da CRTVG, no programa 'ZIGZAG' da TVG. Desde setembro de 2022 é colaborador semanal sobre artes escénicas do 'DIARIO CULTURAL' da RADIO GALEGA.
Premio Álvaro Cunqueiro da Xunta de Galicia en 2001. Premio María Casares á Mellor Adaptación teatral en 2016. Premio de Honra do Festival de Teatro Galego, FETEGA, do Carballiño (Ourense) en 2020. Premio Internacional de Xornalismo Carlos Porto 2024, de prensa especializada, do Festival de Almada, organizado pola Câmara Municipal de Almada, do que tamén recibira unha Mención Honrosa en 2020.

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