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O Grande Incêndio

Entre a parábola e o fado teatral

'O Grande Incêndio' de A Escola da Noite e Sarabela Teatro. Foto: Eduardo Pinto.
'O Grande Incêndio' de A Escola da Noite e Sarabela Teatro. Foto: Eduardo Pinto.

A parábola é um dos géneros prediletos do dramaturgo alemão Schimmelpfennig. Ocupa-se a narração de um acontecimento de ficção que permite deduzir, por comparação ou semelhança, uma verdade importante ou uma ensinança moral. Aqui, em O Grande Incêndio, a moral ou a verdade relevante são constituídas pelas maneiras como mudam as atitudes das pessoas perante as adversidades. A ficção é constituída por duas aldeias separadas por um regato e com uma ponte que as une, que sempre tiveram uma relação muito apertada até que começaram a sofrer catástrofes, primeiro uma pandemia, numa delas, depois fenómenos climáticos difíceis, e afinal um grande incêndio que é como um apocalipse.

Ánxeles encenou com sucesso O Dragón de Ouro, com Sarabela, uma outra peça de Schimmelpfennig em que também utiliza umas chaves dramatúrgicas parecidas. Aquela é uma montagem quase desportiva, em que narração e dramatização, humor e comoção pelo terrível de algumas situações convivem de maneira eletrizante. Porém, na encenação de O Grande Incêndio faltam esses contrastes que tão bem fazem às artes vivas. O tempo transcorre com sensação de lentidão, pela dilatação que produzem as inúmeras mudanças do espaço cénico, a mexer naquelas plataformas da cenografia, para evocar os diferentes espaços da fábula. Também acho que acontece essa demora, no desenvolvimento da história, porque algumas cenas, que já são muito esclarecidas pelo próprio texto, são também ilustradas teatralmente, o que gera uma espécie de redundância no que diz respeito ao desenvolvimento narrativo, embora se possa justificar pela sua dimensão estética e até onírica. Mas a potência da beleza estética, visual e coreográfica, já é garantida por outras cenas imprescindíveis porque completam o que anunciam as atrizes e os atores, sem necessidade de sublinhar ou insistir nas que já foram descritas pelas próprias didascálias verbais. Aliás, o desenho de luz de Baltasar Patinho, literalmente maravilhoso, já dá essa dimensão.

Ainda assim, o espetáculo é uma delícia, com esse ar de “fado teatral” na temporalidade e no tom lírico, embora as redundâncias mencionadas e a lentidão nalguns dos trechos.

Atores e atrizes muito envolvidos no jogo, a narrar o conto e a representar as personagens, por vezes com máscaras, num registo mais estilizado, e por vezes sem elas, como se aquela estética fantástica da máscara pudesse continuar igualmente sem ela, só pelas inflexões das vozes e dos gestos.


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O Grande Incêndio está a interpelar-nos sobre a nossa falta de solidariedade com as aldeias vizinhas do planeta, em que se está a perpetrar um genocídio ou em que há outras catástrofes. A peça é uma parábola muito necessária para estes tempos.

(Os meus agradecimentos para Maria José Albarran Alves de Carvalho pela revisão linguística deste artigo.)

O GRANDE INCÊNDIO de A Escola da Noite e Sarabela Teatro

Texto: Roland Schimmelpfennig

Encenação e dramaturgia: Ánxeles Cuña Bóveda

Interpretação: Ana Teresa Santos, Igor Lebreaud, Maria Quintelas, Miguel Magalhães, Ricardo Kalash

Tradução: António Sousa Ribeiro

Cenografia: Cristian Andrade, Iris Branco

Desenho de luz: Baltasar Patiño

Direção musical e música original: Vadim Yukhnevich

Coreografia: Rut Balbís

Máscaras e bonecos: Iris Branco

Figurinos: Ana Rosa Assunção

Vídeo: Iris Branco

Assistência de encenação: Zé Paredes

Cabelos: Carlos Gago

Voz-off: Zé Paredes

Produção: Eduardo Pinto, Juliana Roseiro, Mariana Banaco

Apoio para a tradução: Goethe-Institut Lisboa

Coprodução: A Escola da Noite, Sarabela Teatro

Teatro Principal de Ourense, 19 de junho de 2025.

Afonso Becerra

Afonso Becerra

Director da erregueté | Revista Galega de Teatro. Pertence ao seu Consello de Redacción desde o 2006. Doutor en Artes Escénicas pola Universitat Autònoma de Barcelona. Titulado Superior en Dirección escénica e dramaturxia polo Institut del Teatre de Barcelona. Titulado en Interpretación polo ITAE de Asturies. Dramaturgo e director de escena. Exerce a docencia en dramaturxia e escrita dramática na ESAD de Galiza desde o ano 2005. É colaborador, entre outras publicacións, de revistas de cultura e artes performativas como 'ARTEZBLAI', 'Primer Acto', 'Danza en escena', 'Tempos Novos', 'Grial'. Entre setembro de 2019 e xuño de 2021 foi colaborador especialista en artes escénicas da CRTVG, no programa 'ZIGZAG' da TVG. Desde setembro de 2022 é colaborador semanal sobre artes escénicas do 'DIARIO CULTURAL' da RADIO GALEGA.
Premio Álvaro Cunqueiro da Xunta de Galicia en 2001. Premio María Casares á Mellor Adaptación teatral en 2016. Premio de Honra do Festival de Teatro Galego, FETEGA, do Carballiño (Ourense) en 2020. Premio Internacional de Xornalismo Carlos Porto 2024, de prensa especializada, do Festival de Almada, organizado pola Câmara Municipal de Almada, do que tamén recibira unha Mención Honrosa en 2020.

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