A parábola é um dos géneros prediletos do dramaturgo alemão Schimmelpfennig. Ocupa-se a narração de um acontecimento de ficção que permite deduzir, por comparação ou semelhança, uma verdade importante ou uma ensinança moral. Aqui, em O Grande Incêndio, a moral ou a verdade relevante são constituídas pelas maneiras como mudam as atitudes das pessoas perante as adversidades. A ficção é constituída por duas aldeias separadas por um regato e com uma ponte que as une, que sempre tiveram uma relação muito apertada até que começaram a sofrer catástrofes, primeiro uma pandemia, numa delas, depois fenómenos climáticos difíceis, e afinal um grande incêndio que é como um apocalipse.
Ánxeles encenou com sucesso O Dragón de Ouro, com Sarabela, uma outra peça de Schimmelpfennig em que também utiliza umas chaves dramatúrgicas parecidas. Aquela é uma montagem quase desportiva, em que narração e dramatização, humor e comoção pelo terrível de algumas situações convivem de maneira eletrizante. Porém, na encenação de O Grande Incêndio faltam esses contrastes que tão bem fazem às artes vivas. O tempo transcorre com sensação de lentidão, pela dilatação que produzem as inúmeras mudanças do espaço cénico, a mexer naquelas plataformas da cenografia, para evocar os diferentes espaços da fábula. Também acho que acontece essa demora, no desenvolvimento da história, porque algumas cenas, que já são muito esclarecidas pelo próprio texto, são também ilustradas teatralmente, o que gera uma espécie de redundância no que diz respeito ao desenvolvimento narrativo, embora se possa justificar pela sua dimensão estética e até onírica. Mas a potência da beleza estética, visual e coreográfica, já é garantida por outras cenas imprescindíveis porque completam o que anunciam as atrizes e os atores, sem necessidade de sublinhar ou insistir nas que já foram descritas pelas próprias didascálias verbais. Aliás, o desenho de luz de Baltasar Patinho, literalmente maravilhoso, já dá essa dimensão.
Ainda assim, o espetáculo é uma delícia, com esse ar de “fado teatral” na temporalidade e no tom lírico, embora as redundâncias mencionadas e a lentidão nalguns dos trechos.
Atores e atrizes muito envolvidos no jogo, a narrar o conto e a representar as personagens, por vezes com máscaras, num registo mais estilizado, e por vezes sem elas, como se aquela estética fantástica da máscara pudesse continuar igualmente sem ela, só pelas inflexões das vozes e dos gestos.
O Grande Incêndio está a interpelar-nos sobre a nossa falta de solidariedade com as aldeias vizinhas do planeta, em que se está a perpetrar um genocídio ou em que há outras catástrofes. A peça é uma parábola muito necessária para estes tempos.
(Os meus agradecimentos para Maria José Albarran Alves de Carvalho pela revisão linguística deste artigo.)